Enxaqueca

Enxaqueca

A enxaqueca, também conhecida com migrânea, é um dos tipos de dores de cabeça mais emblemáticos, não só pela frequência com que ocorre, mas também pelo sofrimento que causa. Muitos pacientes inclusive usam o termo como sinônimo de dor de cabeça. Esclarecendo, a enxaqueca é UM dos tipos de dor de cabeça.

Estima-se que 30 milhões de brasileiros sofrem ou sofrerão com enxaqueca em algum momento de duas vidas, dos quais 20 milhões são mulheres. Estudos mostram que 2% da população mundial apresenta o que chamamos de enxaqueca crônica, caracterizado por dores que duram mais do que 15 dias no mês e mais do que três meses no ano. A enxaqueca é mais comum no adulto jovem, em especial entre os 30 e 40 anos de idade, mas, claro, acomete outras faixas etárias, desde crianças até idosos.

Sim, embora os genes relacionados à enxaqueca não são completamente identificados, sabemos que quem tem parentes próximos com enxaqueca apresenta de 3 a 4X mais chances de ter o problema.

As crises de enxaqueca podem ocorrer em fases (Figura 1). As fases descritas são: pródomo, aura, dor de cabeça em si, resolução e pós-crise. Nem todos os pacientes passam por todas elas. O interessante é que, quando paciente passa a conhecer a própria crise, ele consegue identificar o início e já usar os medicamentos necessários, aumentando a possibilidade de sucesso no tratamento. 

Figura 1: Fases da enxaqueca.

Fatores desencadeantes

Até 75% dos pacientes conseguem identificar algum fator que desencadeia a crise. Os mais comuns estão na tabela abaixo.

Figura 2: Fatores desencadeantes mais comuns em pacientes com enxaqueca.

O pródomo:

Pródomo significa “início de algo” ou seja, seriam os primeiros sinais de que uma crise de enxaqueca está prestes a ocorrer. Mais ou menos 77% dos pacientes apresentam alterações até 2 dias antes do início da crise em si. As principais manifestações são: irritabilidade, depressão, aumento de bocejos, compulsão alimentar, constipação intestinal e rigidez no pescoço.

O aura:

A aura ocorre em 25% dos pacientes e é reflexos de alterações das ondas cerebrais que ocorrem antes da dor de cabeça. Na grande maioria das vezes a aura acontece antes da crise de dor de cabeça. Os sintomas da aura não duram mais do que uma hora e podem ser visuais (ex. pontos luminosos, visualização de pequenos objetivos, perda temporária da visão), auditivos (ex. sons, zumbido, diminuição da audição), sensoriais (ex. queimações, formigamentos) ou até motores (ex. tremores).

A dor de cabeça:

As dores da enxaqueca usualmente são de um lado só da cabeça (Figura 3) mas podem ocorrer dos dois lados em muitos pacientes. Normalmente são do tipo pulsátil ou latejante. As dores podem ser acompanhadas de sintomas com o náuseas e vômitos bem como fotofobia (piora com luminosidade) ou fonofobia (piora com barulhos). As dores podem piorar com as atividades diárias. A combinação de todos esses fatores leva o paciente a preferir um ambiente calmo e escuro para repousar.

Figura 3: Padrão mais comum de dor no paciente com enxaqueca embora as dores possam ocorrer dos dois lados da cabeça.

O pós-crise:

Após a resolução do quadro de dor de cabeça é muito frequente que o paciente se sinta exausto, frequentemente descrevendo a sensação como se fosse uma espécie de ressaca. Pode haver alterações do apetite nesse momento.

O diagnóstico da enxaqueca é fundamentalmente clínico. O que isso significa? Significa que o problema não aparece nem em exames de sangue nem em exames de imagem como ressonâncias. O médico de avaliar as características das dores e eventuais achados no exame físico para fechar o diagnóstico.

Se o problema não aparece nos exames então para que servem os exames? Bom, serve para avaliar se não há nada mais grave por trás. Na imensa maioria dos casos os exames encontram-se completamente normais.

Dividimos o tratamento da enxaqueca entre “tratamento abortivo” e “tratamento preventivo”. O tratamento abortivo visa interromper aquela crise atual pela qual o paciente está passando e o tratamento preventivo tem como objetivo diminuir a quantidade de crises que o paciente tem por mês.

Alguns pontos são importantes no tratamento da crise atual de dor de cabeça:

  • O tratamento da crise é mais efetivo se for instituído no início da crise
  • Uma dose única mais alta de analgésicos costuma ser mais efetiva do que múltiplas pequenas doses
  • A enxaqueca pode diminuir a absorção dos medicamentos por alterar a movimentação do estômago e intestino
  • Pacientes com muita náusea e vômitos podem precisar de medicamentos pela veia ou, eventualmente, medicamentos intranasais
  • Os medicamentos mais utilizados são analgésicos simples (ex. dipirona/paracetamol), anti-inflamatórios e triptanos. Alguns pacientes podem se beneficiar do uso de medicamentos conhecidos como derivados da ergotamina 

Paciente que apresentam dores muito frequentes ,ou aqueles onde o tratamento das crises tem resultado ruim, devem fazer uso de medicamentos cujo objetivo é diminuir a frequência e até a intensidade das crises.

Os medicamentos mais utilizados são da classe dos antidepressivos (ex. amitriptilina, venlafaxina), alguns anti-hipertensivos específicos (ex. propranolol, metoprolol) e alguns anticonvulsivantes (ex. topiramato). Esses medicamentos usualmente diminuem em 50% a frequência das crises.

Inibidores do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina

Muito tem se falado de um novo tratamento para a enxaqueca. Trata-se de anticorpos que bloqueiam um receptor específico que parece ter influencia na doença. O medicamento, chamado Erenumabe, ainda não chegou ao Brasil e apresenta um potencial de reduzir em apenas   discretamente o número de dias com crises. 

Outros medicamentos que podem ser utilizados

Alguns medicamentos foram testados em poucos pacientes como por exemplo a coenzima Q10, magnésio, melatonina e pizotifeno.

Nos casos mais graves, onde os medicamentos não fazem o efeito desejado, podemos utilizar algumas técnicas intervencionistas. As principais opções de tratamento nesses casos são:

Infiltração de toxina botulínica

Alguns estudos demostraram a eficácia da infiltração de toxina botulínica em vários pontos musculares (Figura 4) da cabeça com objetivo de reduzir o número de crises de enxaqueca.

Esse procedimento deve ser repetido periodicamente pois usualmente tem resultados com duração de cerca de 6 meses.

 

Figura 4: Pontos de infiltrações musculares de toxina botulínica para o tratamento da enxaqueca crônica.

Bloqueio ou radiofrequência do gânglio esfenopalatino

O gânglio esfenopalatino é o maior conglomerado de neurônios fora do sistema nervoso central (Figura 5). Ele está localizado na face e possui inúmeras conexões nervosas e pode estar relacionada a diversos tipos de dores de cabeça, especialmente a enxaqueca e a cefaleia em salvas.

O gânglio esfenopalatino pode ser bloqueado através de uma punção com agulha mais ou menos ao nível da bochecha. O procedimento é realizado no centro cirúrgico sob sedação (como uma endoscopia), com auxílio de um aparelho de raio-x específico. O paciente tem alta no mesmo dia. O bloqueio pode ser feito com substâncias anestésicas e neurolíticas ou mesmo através do emprego de uma corrente elétrica de radiofrequência.

 

Figura 5: O gânglio esfenopalatino, muitas vezes importante na geração e manutenção de algumas dores de cabeça.

Bloqueio dos nervos occipitais

Os nervos occipitais são estruturas nervosas que inervam principalmente a região de trás do pescoço e da cabeça. São originados na coluna cervical e sobrem para a cabeça (Figura 6).

É possível localizar esses nervos com auxílio da ultrassonografia e fazer infiltrações precisas ao redor deles. Tal procedimento já se mostrou útil em diminuir a frequência e a intensidade das crises de enxaqueca. Assim como o bloqueio do gânglio esfenopalatino, o bloqueio dos nervos occipitais costuma ser realizado sob sedação, sem necessidade de internação.

Figura 6: Os nervos occipitais podem ser infiltrados com auxílio do ultrassom, diminuindo a intensidade e a frequência das crises.

Estimulação dos nervos occipitais

Um dos tratamentos mais invasivos que temos à disposição para o tratamento da enxaqueca crônica grave é a estimulação dos nervos occipitais. Durante esse procedimento colocamos eletrodos ao redor dos nervos occipitais (Figura 7), que ficam atrás do pescoço. Esse eletrodo é ligado a um gerador, parecido com um marcapasso, que fica debaixo da pele do paciente enviando estímulos elétricos para o nervo, diminuindo a frequência e a intensidade das dores. Percebam que é um tratamento mais invasivo que os citados anteriormente. Portanto limitamos o seu uso apenas para os casos mais graves.

 

Figura 7: Ilustração dos eletrodos posicionados ao redor dos nervos occipitais.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS1–8
1. Charles, A. The pathophysiology of migraine: implications for clinical management. The Lancet Neurology 17, 174–182 (2018).
2. Lipton, R. B., Stewart, W. F., Diamond, S., Diamond, M. L. & Reed, M. Prevalence and Burden of Migraine in the United States: Data From the American Migraine Study II. Headache J. Head Face Pain 41, 646–657 (2001).
3. Charles, A. The evolution of a migraine attack – A review of recent evidence. Headache 53, 413–419 (2013).
4. Laurell, K. et al. Premonitory symptoms in migraine: A cross-sectional study in 2714 persons. Cephalalgia 36, 951–959 (2016).
5. Hansen, J. M. et al. Migraine headache is present in the aura phase : A prospective study. Neurology 79, 2044–2049 (2012).
6. Kelman, L. The Triggers or Precipitants of the Acute Migraine Attack. Cephalalgia 27, 394–402 (2007).
7. Olesen, J. Headache Classification Committee of the International Headache Society (IHS) The International Classification of Headache Disorders, 3rd edition. Cephalalgia 38, 1–211 (2018).
8. Agostoni, E. C. et al. Current and emerging evidence-based treatment options in chronic migraine: A narrative review. Journal of Headache and Pain 20, (2019).