Cefaleia em salvas

Cefaleia em salvas

A cefaleia em salvas é considerada o pior tipo de dor de cabeça, tamanha a sua intensidade.  Felizmente sua ocorrência é pouco frequente, acometendo menos do que 1% da população, sendo mais do que 4 vezes mais comum nos homens. 

Sim, embora os genes relacionados à cefaleia em salvas não são completamente identificados, sabemos que quem tem parentes de primeiro grau tem até 39 vezes mais chances de ter o problema. Parentes de segundo grau tem de 2 a 8 vezes mais chances.

Um estudo mostrou que mais de 85% dos pacientes com cefaleia em salvas também são tabagistas crônicos. Outro estudo, realizado em uma cidade dos Estados Unidos, detectou uma diminuição da ocorrência de cefaleia em salvas da década de 80 para a década de 90, na mesma proporção da diminuição do tabagismo na região. Tem cefaleia em salvas e fuma? Mais um motivo para abandonar esse hábito.

A cefaleia em salvas é caracterizada por ataques de dores usualmente na região do olho (Figura 1), de um lado só, acompanhado de sintomas como lacrimejamento, vermelhidão ocular, coriza (nariz escorrendo), congestão nasal (nariz entupido), fraqueza na pálpebra e diminuição do tamanho da pupila. Os pacientes costumam ficar extremamente agitados durante as crises, não raro com vontade de bater a cabeça na parede.

As crises costumam durar de 15 minutos a até 3 horas. A maioria dos pacientes apresentam um período de crises (ex. Crises todos os dias durante algumas semanas) seguidos de alguns meses de alívio. Em casos mais graves não há esse período de alívio.

 

Figura 1: Localização mais frequente das dores da cefaleia em salvas

O diagnóstico da cefaleia em salvas é fundamentalmente clínico. O que isso significa? Significa que o problema não aparece nem em exames de sangue nem em exames de imagem como ressonâncias. O médico de avaliar as características das dores e eventuais achados no exame físico para fechar o diagnóstico. Por exemplo, é muito importante que o médico avalie, durante o exame físico, a pressão ocular, já que glaucoma também pode causar dores nos olhos.

Se o problema não aparece nos exames então para que servem os exames? Bom, serve para avaliar se não há nada mais grave por trás. Na imensa maioria dos casos os exames encontram-se completamente normais. O exame mais realizado é a ressonância nuclear magnética do crânio.

Dividimos o tratamento da cefaleia em salvas entre “tratamento abortivo” e “tratamento preventivo”. O tratamento abortivo visa interromper aquela crise atual pela qual o paciente está passando e o tratamento preventivo tem como objetivo diminuir a quantidade de crises que o paciente tem por mês.

O paciente com uma crise de cefaleia em salvas necessita de um tratamento de urgência, tamanha a intensidade das dores que sente. 

O uso de máscara de oxigênio em altas concentrações costuma aliviar as crises em mais de 70% dos pacientes. Esse tratamento usualmente é realizado no pronto atendimento do hospital durante cerca de 15 min, a menos que o paciente tenha toda a aparelhagem em casa como máscaras e cilindro de oxigênio (sempre procure orientação médica caso opte por fazer isso em casa).

Outra possibilidade é o uso de medicamentos chamados de “triptanos”. Temos vários disponíveis como naratriptano, sumatriptano, etc. Não use esses medicamentos sem recomendação médica. 

Paciente que apresentam dores muito frequentes, ou aqueles onde o tratamento das crises tem resultado ruim, devem fazer uso de medicamentos cujo objetivo é diminuir a frequência e até a intensidade das crises.

Os medicamentos mais utilizados são o veramapil (utilizado também para alguns problemas de coração), corticosteroides, lítio e alguns anticonvulsivantes (ex. topiramato).

Nos casos mais graves, onde os medicamentos não fazem o efeito desejado, podemos utilizar algumas técnicas intervencionistas. As principais opções de tratamento nesses casos são:

Bloqueio ou radiofrequência do gânglio esfenopalatino

O gânglio esfenopalatino é o maior conglomerado de neurônios fora do sistema nervoso central (Figura 2). Ele está localizado na face e possui inúmeras conexões nervosas e pode estar relacionada a diversos tipos de dores de cabeça, especialmente a enxaqueca e a cefaleia em salvas.

O gânglio esfenopalatino pode ser bloqueado através de uma punção com agulha mais ou menos ao nível da bochecha. O procedimento é realizado no centro cirúrgico sob sedação (como uma endoscopia), com auxílio de um aparelho de raio-x específico. O paciente tem alta no mesmo dia. O bloqueio pode ser feito com substâncias anestésicas e neurolíticas ou mesmo através do emprego de uma corrente elétrica de radiofrequência.

Figura 2: O gânglio esfenopalatino, muitas vezes importante na geração e manutenção de algumas dores de cabeça.

Bloqueio dos nervos occipitais

Os nervos occipitais são estruturas nervosas que inervam principalmente a região de trás do pescoço e da cabeça. São originados na coluna cervical e sobrem para a cabeça (Figura 3).

É possível localizar esses nervos com auxílio da ultrassonografia e fazer infiltrações precisas al redor deles. Tal procedimento já se mostrou útil em diminuir a frequência e a intensidade das crises de enxaqueca. Assim como o bloqueio do gânglio esfenopalatino, o bloqueio dos nervos occipitais costuma ser realizado sob sedação, sem necessidade de internação.

 

Figura 3: Os nervos occipitais podem ser infiltrados com auxílio do ultrassom, diminuindo a intensidade e a frequência das crises.

Estimulação dos nervos occipitais

Um dos tratamentos mais invasivos que temos à disposição para o tratamento da enxaqueca crônica grave é a estimulação dos nervos occipitais. Durante esse procedimento colocamos eletrodos ao redor dos nervos occipitais (Figura 4), que ficam atrás do pescoço. Esse eletrodo é ligado a um gerador, parecido com um marcapasso, que fica debaixo da pele do paciente enviando estímulos elétricos para o nervo, diminuindo a frequência e a intensidade das dores. Percebam que é um tratamento mais invasivo que os citados anteriormente. Portanto limitamos o seu uso apenas para os casos mais graves.

 

Figura 4: Ilustração dos eletrodos posicionados ao redor dos nervos occipitais

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1–9
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